Quando Toca a Mim

Revirando as playlists que eu recebi, teve uma que bateu forte com os últimos dias. E é engraçado pensar que ela veio de longe, bem de longe. Veio de alguém com quem raramente falo e sendo muito justo, alguém que eu gosto bastante, mas não posso dizer que em algum momento da minha vida tenhamos sido amigos íntimos. Fomos mais confidentes em momentos importantes da vida de um e de outro, mas nada muito além disso.

Só que é justamente isso o que todos nos tornamos nesses tempos de pandemia. Se tem gente que já vive como se nada tivesse acontecido ou ainda acontecendo (e eu não entendo essa postura). Eu mesmo vivo recluso nesse tempo. Saio só quando necessário e não me exponho, aglomerações nem pensar. Além de fazer parte do grupo de risco, meus pais moram na mesma casa que eu e ambos também estão no grupo.

A cada foto de churrasco, balada, barzinho ou algo similar eu me assusto. Ok, as pessoas voltaram ao trabalho, mas não basta se expor apenas nas situações onde se é obrigado a se expor? É algo a se pensar, a forma como cada um reage aos problemas que agora batem a porta de todos.

Na verdade nem é esse o ponto principal deste texto, mas sim a introspecção a que essa playlist me levou. O olhar para dentro de mim entre músicas até certo ponto intimistas em que parece que o artista está tocando apenas para você. Até tem uma música que foge um pouco dessa linha, mas vale analisar o todo. E qualquer movimento de introspecção nos faz revelar coisas sobre a gente que muitas vezes eram desconhecidas de nós mesmos.

Dito isto, é preciso agora voltar os olhos para dentro e contar o que exatamente me consome no momento e a que linha de pensamento essas músicas me levaram. Primeiro, eu sei que nunca fui realmente sociável, vez ou outra até me aproximo mais das pessoas, mas geralmente prefiro ficar no meu canto, quase escondido, meio sem ser percebido. Observando como o mundo anda e tentando encontrar um lugar para mim.

E isso, em tempos de pandemia, acaba sendo relativamente tranquilo. Só que quando a gente observa as pessoas ao redor fica com medo. Cada vez mais medo do que se constrói. Tanto pela histeria que mantém no cargo um presidente que grosso modo nada fez no principal evento global do século. Um líder que simplesmente tirou o dele da reta e deixou que outros tomassem decisões, apenas falando para a torcida nesse tempo e ainda assim se mantendo popular.

Por outro lado, temos ainda os que diziam que o que se tinha antes era melhor e sim, qualquer coisa seria melhor, porém, estava longe de ser bom. E esse é o ponto, não existe um caminho que aparentemente nos leve a novos nomes, novos dirigentes uma forma forma de levar o nosso país para a frente. Existe sim a briga de torcidas sendo tirada dos estádios e parando nas urnas.

E tudo isso enquanto mais de 150.000 pessoas morreram na pandemia. Como se fosse nada e insignificante. Não se pensa nessas mortes e nem no que fazer para evitar mais mortes ou fazer o país retomar realmente o caminho. No fundo apertaram o cinto para todo mundo, menos para os políticos que não perderam nada e não fazem absolutamente nada pelo povo.

Sim, eu sinto uma raiva crescente contra os políticos e sim, generalizo pois ainda não vi um que merecesse realmente o meu voto uma segunda vez. Ainda assim, os vejo defendidos por gente que sofre diariamente graças a falta de ação dos políticos. Síndrome de Estocolmo, não existe outra explicação.

E isso me afasta cada vez mais das pessoas, me lança cada vez mais num mundo meu e fechado. Tenho cada vez menos esperança em um futuro melhor e é justamente isso que esta trilha me trás a sensação de que talvez o único lugar seguro para mim, seja dentro de mim mesmo.

A Doença

https://open.spotify.com/playlist/2nC6AyjIcgxAfT2Bl1dKx0?si=Gzj1Xb9nQ4GlEjQueml_tw

Semana passada foi de relembrar de um dia difícil. Um marco difícil e marcas que eu sei que nunca vão se apagar. Segundo aniversário da descoberta e cirurgia do câncer. Segundo ciclo maluco onde as mudanças ainda teimam em chegar e eu mais teimoso ainda teimo em não me acostumar com o que está acontecendo comigo.

Muita coisa tem acontecido e ter estas datas como referência ajuda a pensar no que fiz, no que pretendo fazer e no que chegou o momento de desistir. Talvez por isso eu esteja tão engajado nesta data.

Num primeiro momento, era a data marcada para o lançamento do meu livro. Mas veio a pandemia e não só a minha vida, mas a de todo o planeta virou de pernas para o ar. Então de nada adiantaria lançar o livro agora. O mundo tem outras prioridades e temos que saber o nosso tamanho.

De qualquer forma, falta pouco para ter o livro em mão. Já está escrito e diagramado, em breve vai pra gráfica e provavelmente comece a pré venda. Dificilmente conseguirei um lançamento presencial, é momento de respeitar o isolamento e qualquer aglomeração só deve ocorrer se for inevitável. Coisa que meu livro não é.

Tenho ainda recebido diversas playlists que ainda não divulguei. E tenho um motivo real para isto. Não é preguiça, muito pelo contrário. Estou apenas aprendendo novas formas de comunicação e produção durante a quarentena. Aliás tenho aprendido muita coisa mesmo. A quarentena tem sido um período muito meu comigo mesmo. Sendo grupo de risco, evito ao máximo me expor e pensando também no coletivo, se não sou obrigado, não colocarei mais gente nas ruas. Se faz muito tempo que não vejo muita gente, também é verdade dizer que fazia muito tempo que não estava tanto comigo mesmo.

Tive algumas pequenas vitórias que merecem destaque, como por exemplo, poder ajudar uns alunos que me perguntaram como fazer um aplicativo para celular, hoje posso dizer que sou capaz disso. Tanto que as playlists que vocês me enviam estão todas virando um.

As dificuldades de movimentação nas mãos também foram alvo de estudos. Se não tenho a mesma firmeza de antes (e nem corro atrás dela), tomei coragem pra um curso de marcenaria, com as máquinas certas consigo produzir coisas que me achava incapaz. E além disso, ainda inclua na lista aulas de encadernação, programação, editoração e muito mais. Hoje me acho um professor maker mais completo e com mais recursos do que quando saímos todos em quarentena. Posso ter perdido mobilidade e força, mas ainda tenho o cérebro.

E é essa briga minha que o último dia 11 marcou. Os dois anos de uma ferrenha luta do meu corpo comigo mesmo. Onde ele sempre tenta me jogar pra baixo e eu tento provar que ainda não é a hora. Sei que provavelmente em algum momento eu vá perder, mas por enquanto esta divertido brigar.

As músicas desta playlist funcionam para mim como a trilha sonora dessa guerra. Cada canção de certa forma embala batalhas diferentes. Talvez agora nem faça tanto sentido, afinal as músicas parecem não conversar entre si. Mas elas falam muito comigo e talvez quando você puder pegar o livro em mãos, possa entender o que cada uma delas representa para mim (mesmo não sendo obrigatoriamente minhas músicas prediletas).

E essa é apenas uma das playlists que o livro traz!. 

Em breve vai para a pré venda…

Mosaicos

https://open.spotify.com/playlist/6XdOqFV44WZEocAAxEhP7J?si=-V4zgO8ZRfu5di8bpC-CAA

Recebi várias playlists, algumas com títulos mais profundos, outras com títulos até óbvios quando se conhece quem as enviou. Na leitura delas é engraçado perceber que raramente elas chegam a conversar entre si. Pessoas diferentes, de lugares diferentes podem até ter uma linha similar, mas os caminhos e mesmo as ideias passadas quando se recebe o material mostram-se completamente diferentes.

Vejo isso como a real riqueza humana. Somos diferentes de tantas formas que se torna quase impossível que duas pessoas façam a mesma coisa do mesmo jeito para chegar ao mesmo lugar sem que este seja um protocolo geral da nossa espécie.

E onde quero chegar com isso? Recebi duas trilhas com nomes que até são diferentes, mas que levam a uma mesma direção. Uma delas é esta que acompanha o texto e a outra virá em breve. Ambas na minha cabeça parte da mesma premissa, somos a soma de tudo aquilo que vivemos, convivemos, recebemos e doamos. Somos fruto de diversos atos coletivos. Só que não é a minha ideia fazer textos repetidos, então fui atrás de novas audições das trilhas e principalmente de tentar fazer uma leitura mais particular de quem me enviou cada uma delas.

Então pego justamente este primeiro texto pra tentar imaginar quais foram as cenas que servem de fundo pra criar o grande mosaico que hoje é uma pessoa adulta, com seus sonhos e medos. Cada um de nós formou-se assim, vivendo experiências que vão abrindo nossos olhos e mentes para novos caminhos e de repente chegamos em um lugar que nem imaginávamos ser possível, muito diferente dos desejos da primeira infância, onde até pensamos em carreiras pomposas, mas justamente por ser tudo o que a gente imagina que existe.

Não acompanhei a infância de quem me mandou a playlist, mas posso dizer com certeza que vi de perto parte da adolescência e com a proximidade da idade adulta a própria vida e carreiras resolveram nos afastar, como nos afastamos de diversas pessoas. E isso é extremamente necessário. Se somos a soma das experiências, quanto mais novidades na vida de alguém mais essa pessoa tem a chance de crescer. Mais mundos ela tem tempo de visitar e mais camadas terá o adulto que surgirá no final.

Nem toda marca deixada/recolhida será positiva. Nem todo contato será bom. Algumas experiências machucam, outras são totalmente descartáveis e de repente surge aquela que não nos toca de maneira profunda num primeiro momento, mas anos depois vem descrita numa frase que usamos muito e nem sabemos o motivo. Uma comida que passa a ser a nossa preferida ou mesmo uma música que entra na nossa playlist e parece destoar de todo o resto.

Sim, nós somos uma grande mistura. Se por fora aparece uma única camada, nem precisa aprofundar muito para ver que logo abaixo, quando vistos bem de perto, milhares de pequenas partes de tamanhos formas e cores diferentes é que realmente nos dizem quem somos. Nossa essência vem daí, e é ela que dá toda a beleza do que é visto na superfície. É o que nos faz únicos.

Sentimentos Vivos

https://open.spotify.com/playlist/164Zeq3XMUFkPD0nDQ1SEC?si=B3eyPVR1R-qSm7MZ6gCcPA

Anos atrás, numa daquelas conversas bobas de viagem. Em que, com os amigos você estava sentado numa praia deserta olhando o mar. Alguém soltou uma pergunta (infelizmente não posso mesmo dar o crédito, a memória anda falhando), daquelas que tem tudo para ser boba, mas que acaba tocando fundo e pela ausência de resposta fica martelando por um tempo enorme a nossa cabeça.

Eu mesmo, de tempos em tempos retorno para aquela perguntinha boba. Onde nos questionamos quais seriam os melhores defeitos e as piores qualidades que alguém pode ter. Partindo do pressuposto óbvio de que perfeição não existe e muito menos ausência de qualidade. De início parecia uma pergunta simples. Só que vejam só. Como definir melhor e pior? era necessário um parâmetro e no fundo cada um terá o seu. Definir bom ou ruim é tão vago quanto definir beleza. Se até existem alguns pontos quase universais, sabemos que todos esses pontos são subjetivos.

Tudo fica ainda mais maluco quando agora eu digo que a playlist recebida veio de alguém que nada tem de ligação com aquela conversa. Acontece que em diversos momentos a pessoa (e nesse caso a playlist) me fizeram pensar na pergunta, ou na verdade com uma pequena variação dela.

Como conviver num ambiente cheio de pessoas extremamente habilidosas, com as mais diversas características e sobreviver ao ego? Como manter a própria integridade e ainda assim obter destaque num ambiente moralmente poluído? Como não se anular?

É confuso, pois encontrar justiça num ambiente que não é justo em sua essência parece impossível. Num ambiente onde os louros valem mais do que as ações, sobreviver apenas fazendo as ações necessárias requer uma força tremenda. 

Se não entende o que estou dizendo. Pergunte a qualquer amigo ou conhecido que tenha pedido bolsa de iniciação científica tendo um orientador não muito popular no meio. Existe politicagem em todos os meios, principalmente naqueles onde não deveria. Existe vaidade em todas as instâncias, principalmente naquelas onde não faz o menor sentido. E no final sofrem com elas apenas quem foca apenas na ação e não no poder.

E enquanto escrevo isso, as músicas passam. Todas elas músicas que fizeram grande sucesso. Música popular, escutada por gente comum e que não tem vergonha de admitir isso. Músicas que podem que em determinada época podem ter sido chamadas de melosas. Mas sinceramente, o que é uma música melosa? Uma que explora ao máximo um sentimento a ponto dele ficar óbvio. Existe erro nisso? Existe erro em sentir? Mais do que isso, existe problema em sentir o que todo mundo sente? 

Esse é o truque para sobreviver. Não ter vergonha alguma de ser quem é, de expressar o que sente e pensa. Não existe bom defeito ou péssima qualidade. Existe o bom olhar para as nossas ações. Onde aceitamos não sermos os melhores e isso não nos faz falta. O sucesso do outro não incomoda e eu não preciso subir a qualquer custo. Sei o que posso fazer, como fazer e estou disposto a fazer dentro das minhas regras morais. Sem puxar o tapete de ninguém e nem vivendo exclusivamente para isso.

Parece tão simples, mas é ao mesmo tempo tão raro. Tão difícil ser bom em ser comum. Tão difícil ser bom em ser humano. Tão impossível estar em paz não só com as nossas qualidades, mas também com os nossos defeitos.

Se chegou até aqui. Pense nisso, não se prenda ao que você considera qualidade, olhe com mais carinho para o que é considerado defeito e lute contra isso. Esses são os sentimentos que você deve matar e não esconder embaixo do tapete.

Sueños por fuera de la realidad

https://open.spotify.com/playlist/3YDAi6Hy87oIGm6uYKb3Zq?si=PnP8lD2BQbOq4HxBEF0YhQ

Escrever estes textos está sendo sensacional. Cada playlist que eu coloco para tocar enquanto escrevo me faz viajar e pensar em quem me mandou, mas mais do que isso. Me faz tentar imaginar a razão das escolhas destas músicas. Provavelmente nunca saberei ao certo o que faz alguém escolher Extreme, Rachmaniof, música latina e canções infantis. Mas posso sim viajar muito em cima disso e fazer a minha reflexão. 

Não tenho conhecimento musical profundo (acredito que nem raso, só gosto de ouvir mesmo), e esse ato de brincar de crítico é para mim muito mais um exercício literário (não que eu seja tão bom nessa linha também). Uma forma de me aproximar de pessoas que de dispuseram a dividir parte do que são comigo. E é engraçado como eu acabo desenvolvendo um carinho imenso por cada uma das listas que recebi.

Tudo isso pra falar de uma das playlists mais difíceis de comentar até o momento. E não pelo conteúdo difuso, que sim é um dos mais variados entre todos os que eu recebi. O que torna a escrita mais difícil é justamente a tentativa de analisar e descobrir contextos. De entender pessoas a partir de recortes e de querer fazer jus a quem deu seu tempo para mim.

E se eu me lembro de um bate papo de muitos anos atrás numa tarde chuvosa no CEPEUSP, também me lembro que circunstâncias fizeram o mundo mudar. Cada um seguiu seu rumo até que sem nem saber como ou porquê, pessoas se reencontram

E se reencontram diferentes, pois viveram histórias diferentes num mundo diferente, passaram por pessoas e situações que moldaram o que cada um é hoje. A ponto de num bate-papo virtual (coisas da pandemia) dois amigos enxergarem nos problemas dos outros antigos problemas seus, situações pelas quais já passou. E ver essa alento no outro, traz de certa forma um alívio, porque no fundo ambos acabam acreditando que é possível passar por tudo isso e seguir adiante, seja lá qual for a sua meta adiante.

Talvez por isso essa playlist faça tanto sentido pra mim e ao mesmo tempo cause tanto incômodo. Talvez por sentir que de alguma forma eu já passei por grande parte dela e ainda tenha tanto a passar ao mesmo tempo. Talvez por ela ser sua e ao mesmo tempo relembrar em mim pontos que eu espero resolver ou que eu já tenho resolvidos e espero que você resolva.

Esse é o problema das confidências. A gente descobre tanto de si ao ler o outro que fica com medo. Afinal, até podemos acreditar que as respostas do outro também devem valer para você. Mas será que é mesmo assim? Infelizmente não. Muitas vezes são apenas um norte e em outras vezes, nem isso.

Talvez seja por isso que não se escute música latina no Brasil. Não como deveríamos, pelo menos. Nem com a obrigatoriedade do idioma espanhol nas escolas passamos a consumir a cultura dos nossos vizinhos. E isso por puro preconceito, ou talvez medo, de olhar para algo que se tem vergonha e reconhecer-se como parte daquilo. Latino americano, sem dinheiro no banco, parece que preferimos fingir ter parentes importantes e de preferência vindo do exterior (se for a Europa). 

Olhar dentro dessa playlist é mesmo buscar por sonhos fora da realidade. É querer um mundo equilibrado entre o popular e o acadêmico, com espaço para todos, é falar com o calor do coração para todos, inclusive chamando nossos vizinhos de América do Sul para bailar conosco.

Inspiração de Adolescente

https://open.spotify.com/playlist/0M9szWsvYN4D6MZ5KRPrWL?si=_h1WG_U6R-GKNv5JAvMQiw

Deixar a infância de lado e crescer. Deixar as respostas fáceis de um mundo totalmente preto e branco e passar a existir num mundo cheio de tons de cinza. Cheio de respostas incompletas e mais do que isso, cheio de respostas que mudam a cada instante. Não importa a pergunta.

Deixar de ser o garotinho (a) do papai (ou da mamãe) e cada vez mais ser o responsável pelos próprios atos e principalmente pelas escolhas. Só que quem disse que nos ensinam a escolher?

De repente saímos de um mundo pequeno e protegido, onde tudo parece sob controle. Somos jogados num mundo estranho, onde nada parece ficar no lugar onde deveria. Onde a a gente percebe que as nossas vontades são apenas isso, nossas e que todo o resto ao redor não liga nada para elas. No máximo nossos pais nos ouvem.

E junte a isso a quantidade de sensações novas, desejos novos, o corpo muda tanto que nem sei se somos a mesma pessoa de um dia para o outro. O mal humor é talvez o menor dos problemas. A gente só não sabe mesmo como agir, ou pior para que agir. Afinal por mais que a gente tente, o próprio ato de existir continua incomodando e não sabemos como fazer parar.

Todos os que hoje são adultos passaram por isso. E em muitos casos, vindos de uma geração onde o estudo e o conhecimento aumentavam a passos largos de uma geração para outra. Sem falar na tecnologia, essa ainda muda a alta velocidade, mas pelo menos uma parcela considerável dos adultos de hoje já consegue se entender bem com ela. Diferente de nossos pais.

Era essa a confusão pela qual passava a cabeça dos adolescentes da minha geração. Gente que, inclusive, me mandou esta trilha sonora. Aqui tem de tudo, moda de viola, folk, rock, mp3 estilo banquinho e violão. Tem música que aponta para tudo quanto é lado. E apesar da capa mostrar uma certa rebeldia comum aos anos 80 e 90 (confesso que fiz a capa pensando num disco do Ultraje a Rigor. Com a cara sapeca de quem achava uma baita transgressão falar palavrão. 

Tempos são outros, as músicas falam muito mais de inquietação do que a capa insinua. Mas ela fala justamente do período de transição. Onde a gente sentia vergonha de ser a gente mesmo, de crescer. Era, por assim dizer uma porta de entrada para os pecados da vida adulta. O momento em que você passa a dominar o dial do seu rádio (coisa de velho?) e o que toca não precisa fazer exatamente sentido para seus pais, mas sim para você. É uma versão um pouco menos infantil das mensagens que você trocava com seus amigos de infância e ninguém podia saber o que significavam (por mais que elas não significassem nada, de verdade). 

Tudo o que você quer é poder ficar sozinho no seu quarto, com seus livros, sua música, seu jogo de computador. Com qualquer coisa que você possa verdadeiramente chamar de sua e que te ajude a entender quem realmente você é. Por que no fundo a adolescência é apenas isso, um período em que a gente fica desesperado tentando entender quem somos. Ai a gente descobre que nunca vai saber a resposta, e quando isso para de doer é porque nos tornamos adultos.

Aurora

https://open.spotify.com/playlist/3wgorGZOPR0diOBUlPacQd?si=SzojvuP9SaW4dN6Pn_J39A

E de repente um novo dia nasce. É a chance de tudo mudar e surgir de um modo diferente. Mais justo, mais amigável, mais honesto e equilibrado. Um mundo onde viver a própria vida é o que todos buscam, sem se importar com as escolhas dos outros, principalmente aquelas que não afetam a sua vida.

É dessa forma que as músicas da playlist Aurora vão surgindo, faixa a faixa partindo de um clima festivo para canções mais calmas em momentos voz e violão. Tem espaço para todos os gostos, da balada anos 80 e 90 até o que nos acostumamos a chamar de MPB. E no fundo a vida é isso. Um lugar onde existe espaço para todos serem como realmente são, sem medo de perseguições que se não faziam sentido anos atrás, mas eram comuns, hoje fazem menos sentido ainda e seu questionamento social causa ira aos perseguidores.

Não consigo fugir da ideia de preconceito ao ouvir essa playlist. Lembro dos meus tempos de adolescente e jovem adulto. Era comum a ofensa maior ser relacionada a sexualidade. E hoje, pensando com mais idade, maturidade e principalmente com um novo olhar comum a este mundo moderno, fica difícil entender isso. Afinal, a sexualidade nunca deveria ser mais importante que o caráter de uma pessoa.

Enquanto eu crescia, começavam-se a se formar guetos, tinham bares onde só iam homossexuais e se nós héteros éramos vistos neles, já se criava uma fama ruim. Baladas praticamente o mesmo. E se dizia que as baladas gays eram até mais animadas. O som produzido nesse tempo de certa forma também recebia alguma classificação pejorativa. E em todos os graus ninguém se preocupava que ali tinha uma pessoa que sofria. Que situações sobre as quais ela não tinha escolha nenhuma faziam com que o mundo fizesse leituras a seu respeito e oportunidades poderiam surgir ou sumir  sem qualquer lógica.

As pessoas queriam saber onde você morava, a cor da sua pele, com quem você se relacionava, quanto de poder financeiro você tinha. Eram esses valores fugazes que definiam o mundo. Piadas comuns e fáceis de se ver envolviam também estes temas e se você estava em uma das minorias, tinha que ter força para aguentar e tocar a sua vida sem atrapalhar o bom andamento social, afinal você era o errado. Quem mandou não nascer homem, branco, hétero, rico e sem qualquer problema físico? Se nasceu com certeza a culpa era sua e por ser inferior com certeza sofreria.

Sua única esperança era ter em seu círculo gente que entendesse e não ligasse para isso. Coisa rara lá pelos anos 80 e 90 e ainda bem, mais comum nos dias atuais. Engraçado que pessoas ouviam canções feitas por Elton John e pelo Queen (que está na playlist), só pra ficar em dois exemplos. Como os negros nos times de futebol, serviam para entreter, mas nunca para conviver. 

Talvez por isso eu tenha gostado tanto do título dessa playlist e da forma como ela foi montada por quem me mandou. Quantas vezes o Sol precisou nascer como esperança para que hoje a gente consiga viver num momento em que minorias sofram um pouco menos?

Quanto a gente não teve que levantar torcendo para realmente estarmos num mundo de festa e justiça? Quanto tempo vamos ter que esperar para realmente vivermos num novo tempo? Onde todo o preconceito será jogado no lixo e as pessoas deixarão de ser julgadas pelo que parecem e passem a ser vistas pelo que são?

Confesso que a partir de hoje, cada vez que ouvir essa playlist, fatos como a origem do dia das Mulheres, o que se quer do dia da Consciência Negra, a luta pela liberação dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a força que emana de eventos como os Jogos Paralímpicos serão lembrados por mim. E eu que sou negro e deficiente me vejo obrigado a perguntar, o que estou fazendo para que a festa desejada na playlist possa realmente ocorrer? Já pensou no tema? Você faz algo para um mundo melhor? Comente aqui o que pensa sobre o assunto e ouça a playlist e siga o Instagram do livro. Por acaso o tema vai aparecer lá também!